Qualquer dia - Coroa de Sonetos - 14 sonetos

Albertino Galvão

Tive sempre grande dificuldade em escrever sonetos por não conhecer algumas regras e principalmente por não saber como terminá-los. Ficava sempre com a sensação de algo incompleto e, então, desistia.
Também não sabia o que era uma coroa de sonetos e foi graças às explicações do amigo Sustelo que fiquei a sabê-lo.
Foi então que resolvi, (encarando isso como um desafio a mim próprio), aventurar-me numa coroa de sonetos. Com a preciosa ajuda desse grande poeta que é o nosso amigo Joaquim Sustelo consegui, com alguma vaidade que assumo, fazer esta coroa de sonetos que aqui vos deixo:

 

 

 

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Um dia…qualquer dia… por aí…
Dentre as brumas a mensagem surgirá,
O homem novo, eu prevejo, a ouvirá,
E crescerão novos sonhos por aqui.

Nesse dia, outros ventos soprarão,
Vendaval de concórdia e de perdão,
Força viva atiçada ao opressor
Contra a dor, a soberba, o desamor…

Morrerão a revolta, a falsidade,
O amor reinará sobre a maldade…
Nesse dia a verdade vencerá!

Surgirão rumos novos e concretos
Pelas mãos da concórdia, dos afectos
E o mundo, com certeza, mudará!

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E o mundo, com certeza, mudará
Com a fé que nos guia, nos comanda…
Será certa a vitória na demanda
É certo que Jesus nos guiará!

Mãos dadas, contra a guerra marcharemos,
Gravados na bandeira nossos versos,
Aos cantos mais agrestes e dispersos
Como armas nossos sonhos levaremos

Essas vozes estridentes como gritos
Que promovem e geram os conflitos
Nossas vozes, qualquer dia as calarão!

As que aos ouvidos dos poetas soam
Como os uivos de lobos quando ecoam,
Funestas, pelo meio da escuridão.

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Funestas, pelo meio da escuridão,
São quais vampiros, chiando e babando…
Ou sanguessugas, o sangue nos chupando,
Bichos nojentos que sangram a Nação.

Andam à solta pelo meio da gente,
De aspecto humano sempre tão gentis…
Encobrem propósitos, negros e tão vis
Sorrindo disfarçam seu ar prepotente

Não se iludam, amigos, não se iludam,
A corja não está adormecida!
Os chupistas não dormem quando sugam…

Nunca dão por perdidas as batalhas…
E se uma bicha cai, enfraquecida,
Dos seus miolos fazem acendalhas.

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Dos seus miolos fazem acendalhas
Para avivar a chama do borralho,
Da forja onde fundem as medalhas
Que enfeitam a farpela do espantalho.

Seguem todos, desde o adro, a procissão,
Disfarçados, às igrejas vão rezar…
Ardilosos! Até mostram intenção
Dos pecados, ao Senhor, os confessar.

Cinismo … mas que palavra tão cruel…
É coisa que ao demo diz respeito!
E lá vão com a mão batendo o peito…

Marionetas bem articuladas,
Por mãos sebosas, bem manipuladas
Balouçando, parvamente, num cordel.


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Balouçando, parvamente, num cordel,
Os fantoches, entre si, fingem lutar…
Até dançam um bolero de Ravel
Para o povo, inocente, gargalhar.

São artistas, representam muito bem,
Actuaram em bons palcos mundiais,
E recorrem, por saberem que convém,
Ao efeito de feitos especiais.

Urdem tramas, intrigas, artimanhas,
Humor negro sobre as formas do amor
Fazem cenas de chantagem e terror…

E em plateias de fraqueza e submissão,
Onde há gente a carpir seus tristes dramas,
Cospem fogo das ”varinhas de condão”.

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Cospem fogo das “varinhas de condão”,
Os magos desta era ensandecida,
Que por artes fazem bombas, ou poção,
E lançam sobre gente enfraquecida.

Há protestos, palestras, convenções…
Há promessas, viagens e banquetes,
Pactos, conferências, conversações…
E notas escondidas nos coletes.

Mas há vozes que gritando por aí
Até que doam, sufoquem, e as calem,
Se batem denodada e incansáveis

E os “magos” que vagueiam por aqui
Porque as leis… essas valem o que valem…
Ficam impunes! São inimputáveis!

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Ficam impunes! São inimputáveis!
Levam, sempre, surpresas nas pastinhas…
Nos hotéis, cinco estrelas, confortáveis,
Dão-se ao fumo, champanhe, e mais “festinhas”

São nata … Personagens relevantes…
Defensores dos costumes e moral…
São, por norma, vaidosos e pedantes,
Porque a imagem, no seu ramo, é curial

Passeiam, pelo mundo, como astros,
São brilhantes com o brilho dos anéis,
Aos cartéis e aos seus lóbis são fiéis…

Compram iates e veleiros de três mastros,
Quem paga é sempre o Zé cujo orçamento
Não chega nem prá palha do jumento.


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Não chega nem prá palha do jumento
Diz o velho camponês, já desgastado!
Com tanto imposto e fraco de provento,
Nunca mais fica o cinto aliviado.

O País é pequeno e está de tanga…
Porque ”tanga” é aquilo que nos dão!
Come o rico lagosta e come manga,
O pobre empenha o couro… pra ter pão!

A vida no seu curso vai levando
Certezas, frustrações e desenganos…
Nas margens, tão rugosas, vão ficando

Rastos de tristeza e sobreaviso…
E na boca, com dentes já faltando
Um esgar... ao invés dum bom sorriso.

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Um esgar... ao invés dum bom sorriso,
Um trejeito como anúncio de desdém…
São mestres no recurso ao improviso
E gracejam, se o gracejo lhes convém.

Convictos nas ideias que defendem,
Nos palanques são artistas geniais,
Ditam normas; por elas só pretendem
Aos seus grupos submeterem os demais.

Suas leis se baseiam na trapaça,
Na chantagem, no suborno, e na devassa
No cinismo, na ameaça, no insulto…

Se os limites, assaz, ultrapassarem,
E a tribunal, porventura, os levarem…
O juiz… que é da cor… dará indulto!

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O juiz… que é da cor… dará indulto
Sem sequer permitir que haja recurso!
Granjeou, na política, algum vulto
Mas perdeu seu carácter no percurso.

Diz que é, a justiça, causa nobre
E acima está de qualquer insinuação…
Afirma, até (será com convicção?),
Que serve igual o rico como o pobre.

Mas é mentira! Não é nem foi assim!
Na justiça a injustiça se dá bem!
Para cão grande o processo não tem fim…

Mas o pequeno, ao invés, se dá tão mal
E, por norma, reservado lugar tem
Numa cela duma casa prisional.
 

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Numa cela duma casa prisional,
Pintam-se dramas, vede os muros caiados!
Contam-se os dias com riscos lá traçados,
Deixa-se a esp’rança a secar no estendal.

Dentro da cela há desejos e questões,
Seringas a mostrar que atrás de grades
Há trapaceiros, polícias e ladrões…
Também há compadrios e confrades.

Nas celas, só há dias pardacentos,
As tardes caem sobre o entristecer…
Os medos vão espreitando p'las fissuras,

Que rasgam as paredes de cimento,
E prenhes p’lo ranger das fechaduras,
Parem noites para sonhos ver morrer.

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Parem noites para sonhos ver morrer
Sangrando pelo chão, despedaçados…
Por garras sendo presos, estrangulados,
Espreitando-lhes a fé, sem lhes valer.

"Demos" zombando à sua volta dançam…
Bruxas, guinchando, seus feitiços lançam…
E uns tais “senhores” à rua saem
Com pobres jovens se satisfazem.

São figurões de carácter afirmado,
No conceito da pose e presunção!
Dão azo ao vício… sempre disfarçado...

São apontados e indiciados…
Mas o processo acaba arquivado
E lá segue, alegremente, a procissão.

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E lá segue, alegremente, a procissão,
Com “anjinhos” vestidinhos a rigor…
Bem na frente, o mordomo, qual pastor,
Ostenta, orgulhoso, o seu pendão.

Com bombos e trompetes, a fanfarra,
Dá o mote para a festa se animar…
Mas o povo mais formiga que cigarra,
Já está farto de tal banda ver passar.

Mas lá vão, cabeçorras balouçando,
Gigantones desfilando pelas ruas…
E adoçando os mirones com beijinhos,

As meninas gingando, seminuas,
Com as coxas ao léu, e provocando,
Transformam lobos tais em cordeirinhos.


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Transformam lobos tais em cordeirinhos,
Por ser essa a missão de quem governa!
E convém aos governos, que os meirinhos
Rebolem, feitos cães, p’ra quem ordena!

É a vida! Com os ombros encolhidos
Diz alguém demonstrando desalento.
Que fazer? Diz o pobre lazarento
Conferindo os trocados recolhidos.

Mas sonhos de poetas nunca morrem,
E através de poemas se socorrem
Para a esp’rança implantar aqui e ali…

Na certeza que a paz ainda virá,
Que a maldade, no abismo, cairá
Um dia…qualquer dia… por aí…



Albertino Galvão

Portugal

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