Eu tenho um rio
na minha aldeia que funcionou, muito tempo, como uma sala de
chat.
Tinha a margem de cá e a margem de lá.
Vinha da escola, sempre junto à margem do meu rio.
Sentava-me na sombra dum salgueiro que
existia na
margem, e gritava:
- Olá! E o eco respondia: - Olááááááá!
Um dia, fins de Maio, lá fui sentar-me à sombra do tal
salgueiro e, como de costume,
Disse: - Olá! Afilei o ouvido para ouvir o eco e alguém
respondeu: - Olá!
-Quem és?
-Sou a Camila, e tu?
-Eu sou o Cândido, que fazes?
-Venho da escola.
-É como eu, também venho.
-Vens aí todos os dias?
-Sim, todos os dias me sento aqui à sombra deste salgueiro.
-Eu também venho aqui todos os dias, ver a água do rio.
-E não ouvias eu dizer olá?
-Ouvia.
-E porque não respondias?
-Tinha vergonha.
-E agora não tiveste?
-Ganhei coragem.
E foi assim por muitos dias até que as aulas acabaram.
Ainda fui muitas vezes à sombra do salgueiro gritar:
Oláááááá´!
Mas do outro lado apenas o eco respondia.
Entretanto saí da minha aldeia, para muito longe e lá fiquei
por alguns anos.
Mas sempre que voltava à aldeia ia dizer o meu olá para a
outra margem do rio, recuando
aos tempos do regresso da escola.
Certo dia, tinha já, talvez, 15 anos, ao cair do dia, passei
junto do tal salgueiro
E quase por brincadeira, gritei com toda a força dos meus
pulmões: OLÁÁÁÁ!!
Do outro lado alguém respondeu: olá.
-Quem és?
-Sou a Camila.
-Camila, que saudades de ti.
-Eu também tive muitas saudades.
E contamos tudo que de bom ou mau nos acontecera nesses
cinco anos de separação.
Entretanto a noite chegou. Nem a fome nos lembrava, tal era
o entusiasmo da conversa.
A lua prateava as água do rio, o silêncio era total. Só as
nossas vozes o acariciavam como
se fossem
gestos de amor.
Então ela perguntou:
-Sabes nadar?
-Sei.
-Então atravessa o rio.
-Não venho preparado para nadar, não trouxe o calção de
banho, só se for nu.
Da outra margem, a Camila ria de tal forma que eu ouvia
nitidamente o seu gargalhar.
-Vem mesmo nu.
-Tenho vergonha que me vejas nu.
-Eu fecho os olhos para não ver.
Ganhei coragem, despi-me e lancei-me à água calma do rio.
Já do outro lado, com as mãos em concha para tapar o meu
sexo, chamei baixinho: - Camila?
Nada!
Voltei a chamar, agora mais forte: -Camila?
Outra vez silêncio.
Triste, atirei-me de novo à água do rio e regressei à minha
margem.
Estava a vestir-me, quando ouvi a Camila dizer:
-Eu vi-te… à luz da lua… Estiveste bem pertinho de mim, mas
não tive coragem para te
dizer nada.
Tu és muito bonito, tens o corpo perfeito. E eu tive receio
de me abraçar a ele,
embora
tivesse sentido vontade. Se tens insistido, se tens chamado
mais uma vez,
eu não teria
resistido.
Nunca mais ouvi a Camila do outro lado do meu rio.
Algum vírus
deve ter danificado a conexão.
Mas ainda hoje me pergunto porque eu não chamei a Camila
mais uma vez?
Por isso, agora, aqui deste lado, chamo até que a voz me
doa.
Que mais ninguém me diga que eu devia ter chamado mais uma
vez.