MENSAGEM DE NATAL ( Carta )
 
 
Neste Natal há em minha mente, segregadas do coração, muitas palavras ainda não ditas que me dói guardar sem expressão.

Um ano mais transcorreu e eu gostaria de ter sido coerente, justo, grato, humilde, mais fraterno e perfeito, mas sei que ainda sou, física, emocional e mentalmente amassado do tosco barro humano que não me permite transcender, por ora, a banalidade das palavras gastas e das boas intenções não realizadas.

Nem evitar as desarmonias emocionais, as necessidades sensoriais, os hábitos perniciosos, o apego, algumas abstracções da realidade, pequenas ilusões e satisfações do Ego.
 
Chega o Natal e é o momento em que me sinto mais sensível para, num exame de consciência,
 
- perdoar-me pelos erros cometidos que não fui capaz de impedir-me e pouco contribuíram para o aprendizado existencial;
 
- lamentar ter levado tão a sério, por orgulho, talvez, as ofensas e injúrias que me fizeram aqueles que não souberam evitá-las;
 
- impedir-me de não ter exprimido as palavras e gestos de solidariedade, de amizade e de Amor, que podia ter oferecido aos amigos, aos familiares, aos colegas de trabalho... Por comodismo, decerto.
 
- Responsabilizar-me pelo Amor que contive e deixei estiolar dentro de mim, e que certamente alegraria e tornaria felizes os que me amam, me estimam ou, simplesmente, me conhecem, sem saberem que eu desejaria exprimi-lo e o não soube, por indiferença, timidez ou desinteresse;
 
- Culpabilizar-me pelos pequenos conflitos que acendi, estimulei ou mantive, em vez de os minimizar ou apagar; e pelas palavras destemperadas ou agressivas que não soube calar para dar lugar à compreensão e serenidade, pois não contribuíram para a paz de ninguém;
 
- penitenciar-me pela dor ou mágoa que causei aos outros,
involuntariamente ou para sobrevivência do meu Ego e satisfação pessoal, incapaz que fui de renunciar à minha própria alegria e prazer;
 
- lamentar a esmola que não dei, o auxílio e amparo que poderia ter dado se tivesse parado em meu caminho, perdido um pouco do meu tempo, interrompido o meu conforto...
 
- E o conhecimento que guardei sem partilhar com o amigo, o irmão, o semelhante, porque teria de me ocupar a escrever, a falar, a informar e não pude roubar energia ao meu corpo e mente para fazê-lo;
 
- e os beijos não dados, os abraços não apertados, os sorrisos apenas esboçados, as palavras de conforto e de ânimo engolidas por preguiça, cansaço, falta de disposição ou o pobre sentimento de que as pessoas não os mereciam;
 
- culpar-me pelo meu silêncio quando era preciso arriscar palavras, tentar a verdade ou a justiça, expor-me...
 
- Por me ter contido quando me devia ter dado...
 
- Se calhar por medo, cobardia ou conformismo.
 
Faço um exame de consciência nestes dias de Natal e, por isso, lembro com reverência o Cristo e percebo como estou distante dele, quanto ignorei a sua mensagem e como O representei mal neste mundo.
 
 Ele, que contava comigo para uns possíveis, mesmo pequenos, exemplos de boa vontade, de Amor, de perdão, aos homens que comigo partilham o Planeta, a fim de tomarem maior consciência de que Ele existiu e continua vivo no legado de pleno Amor que nos ofereceu...
 
- Eu, que ainda me sensibilizo com a visão de uma mulher bonita, e não evito emoções sensuais e concupiscentes tentações...
 
- Eu, que ainda penso importantemente em mim, no meu dinheiro, nos meus livros, no meu computador, na minha televisão, com alguma satisfação na posse, no Ter, como se não soubesse que o mais valioso é Ser; e como se não houvesse gente sem nada, procurando abrigo, conforto e pão...
 
- Eu, ainda incapaz da dádiva total ou de partilhar o que
possuo; e que ainda sinto prazer em receber ao invés de somente me alegrar em doar...
 
Humano, vulgar, sensorial, racional, egocêntrico, miseravelmente igual à maioria, normal...
 
Trabalhando, comendo, amando, vivendo, como uma gaivota sem voos transcendentes, debicando migalhas na praia, como muitas outras...
 
Nada do “Fernão Capelo Gaivota” que desejei ser, com altos ideais de Fraternidade, prática plena do Altruísmo, rasgos de grande Amor, da renúncia possível ao mundo sensorial e humano...
 
- Que ainda almejo ganhar prémios e reconhecimento de talento em literários Jogos Florais, distinguir-me pela competência no emprego, parecer aos outros melhor do que sou, pedindo à mulher a quem digo amar a troca do amor na mesma proporção em que lho dou, sentindo-me ferido se isso não ocorre...
 
- Que procuro o meu descanso, o meu café depois do almoço, a minha revista favorita com CD, a roupa confortável, incapaz que sou de suportar o frio ou o calor, e que gasto em livros, num mês, o que alimentaria uma família pobre durante alguns dias...
 
- Que ainda gasto gasolina a passear, no valor que chegaria para matar a fome a alguém carenciado durante uma semana...
 
Humano, simples e lamentavelmente humano, péssimo representante do Cristo e longinquamente afastado de Deus!
 
Mastigando o pão diário do meu Carma, em pedaços, ora doces ora amargos, tentando, sem a necessária constância, titubeantemente, continuar a evolução; ainda racionalizando mais do que intuindo, praticando mais as ideias do que os sentimentos; agarrando-me à vida como se a possuísse eterna e jamais tivesse de a deixar. Gozando o mundo e extraindo dele o possível prazer e alegria, como se não tivesse a obrigação de o tornar melhor do que o encontrei e de ser exemplo para que os companheiros da existência se tornem mais perfeitos do que são.
 
E ainda os julgo e censuro, por vezes; ainda me divido deles e os esqueço, como se a massa atómica de que somos feitos fosse diferente, a energia que nos move a todos não fosse da mesma Fonte e a Alma de todos nós não fosse uma só, emergente da Criação Divina!
 
E Deus não fosse o único para todos os seres viventes!
 
É Natal e faço esta reflexão, racionalizando a minha imagem no espelho da vida.
 
Creio que a repito, de uma forma ou de outra, em cada aniversário do Mestre, não para comparar-me com quem quer que seja e muito menos com Ele, que é um paradigma inalcançável para todos nós. É que me sinto quase o mesmo de sempre: avancei pouco no conhecimento, descobri pouco do mistério da Criação, amei de menos!...
 
E ao desejar-lhe agora a Paz, a Harmonia, a Alegria e o Amor que você merece, quero prometer-lhe tornar-me melhor para continuar a merecer o seu fraterno Amor.
 
Apesar de humano, seguindo pelo caminho aos tropeções e, às vezes, com as lágrimas misturadas habilmente com o riso, esperando algum dia ser digno do Cristo que me motiva esta mensagem, colho destas reflexões a certeza de que, sabendo cada vez mais sobre mim, poderei um dia ultrapassar todas as imperfeições e chegar ao voo nas alturas e à Luz Maior.
 
Mais longe ou mais perto donde você está agora ou onde pretende alcançar, não importa, desde que seja possível estarmos juntos no mesmo caminho de Fraternidade!
 
Que os sinos do Natal ecoem dentro de sua alma uníssonos com as vibrações do nosso amado Cristo, e que elas iluminem e abençoem a sua senda e os que estão dentro de seu coração.
 
Que eu possa nele morar também, por longo tempo!

 
FELIZ NATAL 2005!

 Vitor de Figueiredo

            Lisboa, Dezembro/1995 

(escrita há dez anos mas actual)

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