Ùltimo Sonho De Uma Violeta

 


 

O ÚLTIMO SONHO DE UMA VIOLETA
- ELEGIA DA MINHA TERRA –



À beira de um ribeiro, onde a água murmurava,
Em cima de um salgueiro um rouxinol cantava.


Por entre a verde relva, escondida e discreta,
Nasceu, junto a um salgueiro, um dia, uma violeta.


Tanta vez a violeta ouviu o rouxinol
Lá no alto cantar, mal se escondia o sol,
E uma canção assim de uma ternura tanta,
Como só rouxinóis e mais ninguém as canta,
Que a pobre violeta, ao ouvi-lo trinar,
Sabia-a já de cor, … sem a poder cantar.


Um dia o rouxinol ou morreu ou fugiu...
Certo é que desde então já nunca mais o ouviu.


Debalde procurou a desolada flor
Suas folhas abrir para o ouvir melhor:
Em vão se concentrou no silêncio profundo,
Que o frio luar do Inverno espalha sobre o mundo...


Talvez para mais longe o rouxinol voasse,
Mais contente viesse, e inda melhor cantasse...
Num roseiral em flor, sob o luar dormente,
Ou num vergel mais lindo, ou num pomar mais quente;
E ela pudesse ainda ouvi-lo como dantes
Dum laranjal doirado, ou dos pinhais distantes!


E uma noite e outra noite, e ainda outra noite esp’rou,
E nunca mais o ouviu... E nunca mais voltou!


Ninguem pode sondar talvez a grande dor
Quando a tristeza cai na alma duma flor...
A saudade do sol, dos brandos dias suaves,
Do murmurar da água ou gorgeios das aves,
De tudo a quem a flor se habituara enfim
Num bosque, num pomar, numa horta ou num jardim!


Ao caírem um dia as folhas pelo chão
Da árvore que lhe dera a sombra e protecção,
E emigrarem para o sul, por um dia cinzento,
Aos bandos pelo ar, asas soltas ao vento,
As aves cujo canto alegremente enchia
todo o céu, toda a terra e a alma de harmonia;
ao ver desaparecer tudo o que tinha em roda,
e assim transfigurada a natureza toda,
que imensa isolação e intraduzível dor
não terá por ventura a alma de uma flor!


Começou a violeta aos poucos a estiolar-se,
A pender já do caule, e a cor a desbotar-se.


Uma tristeza enorme, infinita, secreta,
Se via que minava a alma da violeta.


Não tinha pra exprimir nem pranto nem queixume;
Mas dobrou-se para o chão, e perdeu perfume.


Uma noite chegou, mais clara do que as mais
E por isso mais triste. Ao longe, entre os pinhais,
Surge a lua e ilumina os mudos horizontes,
Entornando o luar pela encosta dos montes.


Sobe e alastra o luar e inunda a terra inteira;
E enche de luar as fontes e a ribeira.


E a pobre flor então começa a recordar
As noites em que ouvia o rouxinol cantar,
Quando o luar prateava os vales e as campinas
E os verdes laranjais e as lúcidas colinas...
O brando chilrear, de harmonia tão cheio,
Que do principio ao fim todo ele era um gorgeio,
De melodia tal e de doçura tanta,
Que dir-se-ia um luar trinando na garganta!


Prostrada pela dor, sob a bênção do céu,
Lembrando o rouxinol a flor adormeceu;
E começou a sonhar um sonho bom e lindo:
- que se rasgara o céu e a lua ia subindo,
e entre a relva orvalhada, à beira do ribeiro,
ouvia o rouxinol em cima de um salgueiro.


Era o mesmo trinado, era o mesmo cantar,
Que ela dantes ouvia em noites de luar;
Mas tão vibrante agora, e tão enternecido,
Que nunca como agora, assim o tinha ouvido!
E tão alto trinava, e tão alto subia,
Que o luar e todo o céu se enchiam de harmonia!...
E que ela ia levada - oh, maravilha imensa ! -
Embalada pelo canto e como que suspensa,
Numa nuvem de prata, e jaspe e de luar,
E um gorgeio de luz na alma a gorgear!...


Era o vento afinal, cortante, de Janeiro,
A sacudir a flor no sonho derradeiro.


E a violeta depois nunca mais acordou.
O vento a desprendeu... e o ribeiro a levou!...


Sant’Iago Prezado
(Viena de Áustria - Sábado, 28 de Junho de 1913)


Publicado no nº 38 do Jornal Poetas & Trovadores
Abril/Setº 2006

 

 

Todos os direitos de autor reservados, não publicar sem os devidos créditos


Menu do Site

Amigos Poetas

PoesiaDeclamada

PáginasEspeciais

Duetos

Meus Poemas

Links Amigos