Acalentei minhas filhas em meu seio
Fiz delas o que pude sem poder
Com tantas intempéries de permeio
Que na vida, não mais irei esquecer
Reveses quantos foram? Tantos, tantos!
Enumerá-los nao serei capaz
Quanto pedi a Deus? Até aos Santos...
Para que no meu lar houvesse paz
Quantas vezes chorei sem que me vissem
Para que minhas filhas não sentissem
Fingia estar alegre e sorridente
Hoje penso... porque menti ao coração?
Talvez para encontrar a solução
Carreguei a cruz da vida calmamente.
Carreguei a cruz da vida calmamente
Calei a minha voz, olhei ao Céu
Senti que a minha estrela era cadente
Mas foi essa que um dia Deus me deu
O peso que me verga, que me rói
Em cada passo arrasto a minha dor
Esta dor que me domina e tanto dói...
Se é por pecado, perdoe-me o Senhor
Porque me castigais desta maneira?
Carreguei com uma vida de canseira
Eu, que perdoei tantas loucuras...
Quantos dias, quantas noites sem sossego...
Agora nesta idade ainda carrego
A mesma cruz, que deu tantas agruras?
A mesma cruz, que deu tantas agruras
Tantas desilusões e incertezas
Tantos becos sem saída e às escuras
Quantos atrasos de vida e tristezas?
Quantos mal entendidos e com razão
Duma vida, a dois, sempre em comum
Por vezes assaltada por traição
Que me deixavam, sem alento algum
Não quero recordar, mas é mais forte
A lembrança, sem que queira, é o norte
Acorda a minha mente, adormecida
Sem que eu procure, não posso esquecer
Quantas vezes a chorar sem eu querer
Folheio as páginas do que foi a vida...
Folheio as páginas do que foi a vida
Escrita a letra de água tão salgada
O quanto me marcaram ferida a ferida
Que dói inda que já cicatrizada
Ferida pelo amor, quanto eu sofri
Que eu mesma me designo mal amada
O que tinha de bom, tudo perdi
E hoje o que é que tenho? Tenho nada!
Estou velha, carcomida, e doente
Só eu sei o que meu coração sente
E já não faço nada que me valha
Desalento, desamor, desilusão...
Fazem de mim, trio de rebelião
Que quase tudo, é já cinza de palha.
Que quase tudo, é já cinza de palha
Que evaporou ao longo duma vida
O que me resta? É pouco e me baralha
Apenas sou uma tara desvalida
Apesar de não viver na opulência
Tive um lar pobre, mas aconchegado
Nunca se deve julgar pela aparência
Nem imaginar o que vai do outro lado
Criei as minhas filhas a meu jeito
Com amor e decência, com respeito
Porém sempre umas crianças invejadas
Com os seus vestidinhos, que eu fazia
Punha neles o bom gosto, idolatria,
E como elas ficavam engraçadas!...
E como elas ficavam engraçadas!...
De que hoje tanto me orgulho de o dizer
Para mim são as jóias mais prendadas
Que uma mãe simples faz enriquecer
Tiveram um bom pai, como quem tem
Nasceram dum casal, embora unido
Pela Lei de Deus mas algo aquém
Daquilo que no altar é prometido
Com uma dose leviana, imatura,
Muitas vezes a culpada, a loucura,
Dum certo devaneio estravagante
Mas muito foi querido e estimado
Pela muiher, pelas filhas, bem amado
Pena foi, que fosse tão inconstante.
Pena foi, que fosse tão inconstante
E que sabor a fel no ar pairava!
A união, muitas vezes degradante
Que uma discussão não dispensava
Mas logo o perdão vinha ao de cima
Tentando esquecer, surgia a paz
E assim melhorava o nosso clima
Horas amargas ficavam para trás
O tempo foi correndo... lentamente
Um dia após ooutro, normalmente,
Segurando o amor que em nós havia
E as filhas cresceram, com saúde;
Dotadas de bastante, de virtude,
Que para quaisquer pais é alegria.
Que para quaisquer país é alegria
Sentir que algo de bom anda no ar
Eu desdobrava-me!...Dia após dia!
Levando a vida, por diante a sonhar
Fui um poço inesgotável de paciência
De sonhos de ilusão, uma nascente!
Que me vem desde a minha adolescência
Duma vida em insonso e permanente
Eu tive altos e baixos, é incrível!
Batalhei muito, senti-me irresistível
Tive uma guerra, sempre sem clemência
Cada dia que passava era um combate
Logo pela manhã tocava a arrebate
Reunia os meus esforços com urgência
Reunia os meus esforços com urgência
D'arma em punho, não me queria derrotada
Mas sempre em paz com a minha consciência
Em cada hora me sentia iluminada
Vinha do alto toda a força que tinha
De Deus, pela coragem, pelo amor!
Sempre sorri, cantando em ladaínha
Ao so1, e às estrelas, com fulgor
Tempos foram passando... até que um dia,
Já tudo em meu redor escurecia
Por uma nuvem negra que pairou
Vinha a noite caindo, lacrimosa
Numa chuvinha triste supersticiosa
E que, naquela hora, me marcou!
E que, naquela hora, me marcou
Uma triste notícia me foi dada
Foi como um Castelo que desmoronou
Ou a Torre mais alta, edificada
Sentida foi a dor que me feriu
Da qual inda conservo a cicatriz
Por esse pai, marido, que partiu
E que a sua memória, não desfiz
Hoje, guardo no peito uma saudade
Encaro bem de frente a realidade
Sempre que volto atrás em pensamento
Não esqueço esse momento derradeiro
E quantas vezes choro, ao travesseiro
Que guardo para sempre o sentimento.
Que guardo para sempre o sentimento
Naquele velho baú de recordações
Fechado como se fosse um testamento
Onde colecciono as minhas emoções
Cada uma, é uma página da vida
Que folheio de regresso ao passado
Quantas vezes à noite, perseguida
Fela insónia, em distúrbio desordenado
A noite é tão comprida! Infindável!
Só um sono solto me seria agradável
Para que sonhasse...ir mais além...
Voar no universo, ao infinito
Aonde tudo fosse mais bonito
Que pudesse abraçar a minha mãe!
Que pudesse abraçar a minha mãe
Sentir-me ao lado dela, protegida
Coitado que é o filho que a não tem
Que é a maior riqueza em cada vida
Ser mãe, é pagar a filiação
É sentir o amor maior do mundo
É o amadurecer dum coração
Um sentimento nobre e tão profundo!
É receber de Deus sublime oferta
É ir atrás da vida, à descoberta
Dum mundo recheado de mil cores
É ser a sentinela vigilante
É ser o sol da vida, confiante
Jardim emoldurado em lindas flores.
Jardim emoldurado em lindas flores
Ser mãe é tudo isto e muito mais
E é mostrar ao mundo os seus valores
Seus dotes, seus instintos maternais
Que bom seria, a completa felicidade
Onde reinasse a paz e o amor
Que a vida fosse pura, sem maldade
Sem ódio, sem vingança, sem rancor!
O mundo seria emfim, bem mais bonito
Se o homem acabasse com o conflito
E depusesse as armas a um canto
Que semeasse a paz e o perdão!
A terra fecundada, daria pão
Quantos olhos secariam o seu pranto!
Quantos olhos secariam o seu pranto
Quanta boca que cala e que não come
Crianças cobertas pelo mesmo manto
Desse espectro tão vil, da negra fome!
A destruição é triste e tão medonha!
Tantos lares desfeitos, sem defesa!
O homem já não crê e já não sonha
E mais! Já quer mandar na Natureza!
Dói! Saber que o mundo anda em revolta
Por uma ovelha negra, que anda à solta
Mandando e desmandando...quanto é feio!
Para quê guerrear? Não vale a pena!
Façam como eu: calma e serena
Acalentei minhas filhas em meu seio.