Após 33 anos de ensino, na Universidade,

numa total dedicação, hoje, carrego comigo,

um acervo valioso, verdadeira preciosidade,

são vivências, que tento avaliar e não consigo.

Nas horas difíceis, quando o coração tonteia,

e a angústia bate à minha porta, eu repasso,

diante de minha alma, que por coragem anseia,

cada um daqueles alunos e de repente me refaço.

Eu vejo diante de mim, aquele aluno cego,

que viajava 30 quilômetros para poder estudar,

trabalhava oito horas numa fábrica, não nego,

eu fico com vergonha de ainda ter medo de ousar..

E aquele paraplégico, numa cadeira de rodas,

que se formou em direito e hoje é um brilhante,

tributarista, alegre, nunca inventou modas,

jamais se lamentou, seu sorriso era triunfante.

Com um rosto jovial aparece aquela estudante,

que fazia hemodiálise, jamais perdeu uma aula,

e ainda ajudava os colegas, ela era edificante,

após um transplante de rins, hoje, a apreensão ela enjaula.

De repente, uma mulher fantástica, está diante de mim,

um ser humano divino, cujo nome é Muriel, eu a conheci na internet, através da Raquel e agora me vejo assim,

com os olhos marejados, diante de uma realidade cruel.

Com síndrome de down sua filha Rita de Cássia nasceu,

num leito de hospital, sozinha, ela se sentiu desamparada,

aquela expectativa de uma filha saudável, não floresceu,

quando o médico falou: ela vai morrer, foi uma agulhada.

Quando colocaram sobre ela aquele ser frágil, inocente,

que não pedira pra nascer, mas que estava só suplicando,

por carinho, proteção, afeto, ternura, amor, foi comovente,

embora não falasse, por viver ela estava , ali, implorando.

Nove meses de uma convivência diária, aconchegante,

num diálogo amoroso, embalado em sonhos maternos,

numa ligação direta, vida com vida, é reconfortante,

a expectativa, os planos, a ternura, são valores eternos.

E após longas horas de aflição, muitas lágrimas rolaram,

aquela dor que agulha a alma, que esmaga as emoções,

a esperança, a fé e a coragem, também  se machucaram,

 “eu vou cuidar de você”, essa foi a maior das decisões.

E, sem saber como tratar o problema, passou a estudar,

a ler sobre o assunto e aplicar com ternura o aprendizado,

exercícios diários nas pernas, nos braços, um longo afagar,

a evolução é muito lenta, só Deus fica sintonizado.

Cada dia, as melhoras são imperceptíveis, o segredo,

está na perseverança, na fé, mas sobretudo no amor,

na coragem, pois a vida não suporta o arremedo,

numa caminhada de horizonte turvo, que só traz  pavor.

A humanidade é cruel, muitos nos olham como se a culpa,

fosse nossa, como se merecêssemos tal sofrimento,

muitos nos agridem com o desdém, não pedem desculpa,

poucos estendem a mão e nos aportam o alento.

Assola-nos a impressão de que todos nos recriminam,

e apontam: aquela é a mãe da retardada, coitadinha,

eu não queria estar na pele dela, ainda ironizam,

meu Deus, entre tantos trigais, existe a erva daninha.

Depois vieram os problemas de escolas, da aceitação,

pois  a consideravam um ser retardado, sem  chance,

foram longos anos de insistência, de sofreguidão,

mas Muriel não guardou mágoas, nem desejou revanche.