Um Conto de Natal

Joaquim Sustelo


 

Lá no Céu,
Lá bem no cimo,
Um anjinho pequenino
Passava todos os dias
Olhando para as estrelas.
Eram tão lindas, tão belas,
Que ficava horas sem fim
Cheio de alegria por vê-las
Enfeitar tudo em redor…
(Não havia até melhor
luz que se conhecesse…)


Que importava que estivesse
Ali, se era pequenino,
Se no Céu não se trabalha,
Nada se exige a um menino?

E ele era feliz assim…

Às vezes, anjos mais velhos,
Sempre vinham dar conselhos:
“Vai deitar-te! Aí ao frio
não podes permanecer!
Não fica bem a um menino
Estar assim tempos a fio
E das horas se esquecer!...”

Mas ele era um sonhador…
Pensava: “lá bem ao fundo,
Não haverá outro mundo,
Qualquer coisa de diferente,
Seja melhor ou pior,
Que um dia vá lá a gente?”

Que bom seria ir espreitar,
Com suas asas voar,
Tão depressa, tão ligeiro,
Para à noite regressar
Com sonhos de um dia inteiro…
 

Às vezes, Nosso Senhor,
Por alturas do Natal,
Passava por ele e ia
Voando assim tal e qual
Como ele idealizava.

Descia…e não demorava.

Aonde iria afinal?
-Indagava-se o anjinho.
E, à noite, ao ir deitar-se,
Pensava nisso sozinho.

Era a ânsia de saber
O que ninguém lhe dizia…
Ir também? Podia ser?
De certeza, não podia.

Seus pais não consentiriam
Uma saída do Céu!
E, pondo a ideia de parte,
Muito triste, adormeceu.
 

Mas como tudo o que existe
Tem seu quê de interessante,
Aquela noite tão triste
Seria a mais importante:

A Virgem tinha notado
E das trevas fez-se luz:
Pois vendo assim o anjinho,
Triste, pensando, sozinho,
Comunicara a Jesus.

E, ao menino, da janela,
Disse-lhe assim meigamente:
-“Voa até à maior estrela,
Verás que ficas contente”.
 
 
Dormia tudo em sossego.
A noite metia medo.
Mas ele, mudo e contente,
Teve de ir mesmo assim cedo.

E indo até à tal estrela,
Foi encontrar Jesus Cristo,
Ficando tão boquiaberto
(que agora estava desperto)
Ao observar tudo isto:

Sacos cheios…uma montanha!...
Com brinquedos,  com comida,
Que coisa tão linda e estranha
Nunca vira em sua vida!

Eram centenas, milhares,
Com coisa tão variada,
Que ele ficou meio tonto
Sem conseguir dizer nada!
 
Disse-lhe então Jesus Cristo
Em tom sereno e profundo:
-“Vamos levar tudo isto
a crianças de outro mundo.

vamos encher corações
de alegria e de ternura;
Há outras ocasiões
Mas esta é a melhor altura,

Pois no Natal eles esperam
Sempre pela minha visita.
Quero então que vás comigo
E ver o que lá existe;
Deixarás de ficar triste
Que é uma viagem bonita.

Quanto aos teus pais, já lhes disse:
Ontem falei no assunto
Sem tu teres dado por isso.

-Partamos com alegria!

Esse monte aí ao lado,
Esse que está aí junto,
Agarra nele…e eu levo
Todos os outros comigo.
Comecemos a voar,
Verás que vais adorar,
Anda daí meu amigo!”

Não podia acreditar
O nosso anjinho, coitado!
Ir ver o que sempre quis?
Ser de repente feliz?
Estaria mesmo acordado?
 
Mas começou a viagem…

Jesus cantava baixinho…
O anjo, de tão contente,
Ia ouvindo, caladinho…

Lá foram por entre estrelas,
Planetas, sempre, sem fim,
E viram coisas tão belas
Que o anjo pensou assim:

-“Haverá alguém no Céu
ainda mais feliz do que eu?
Que vou aqui com Jesus,
Em fantástica descida,
Vou dar brinquedos, comida,
Vou a casas fazer luz
A gentes necessitadas?
De certeza que não há
Ninguém tão feliz assim!
Só quero que tudo isto
Não chegue depressa ao fim!...”
Nisto pensando, notou
Um planeta enorme à frente…
Com árvores, rios e mares,
Casas onde havia gente…

Jesus disse-lhe:-“é a Terra,
é  este o nosso destino.
Vai dar tudo o que aí levas!
Não deixes nenhum menino
Sem brinquedos ou comida!
Que eles não fiquem nas trevas!
Dá-lhes Luz, Amor e Vida!

Por outros lares diferentes
Fazer o mesmo irei eu.
Depois então voltaremos
De madrugada pró  Céu.

Lá foram, para cada lado,
cumprir  as suas missões…

O anjinho dava, contente,
do que tinha, àquela gente,
enchendo-lhe os corações
de alegria e de ternura…
Dando força a quem levava
uma vida assim tão dura…

E deu tudo até ao fim.
Esgotou tudo o que levava.
Mas tanta gente feliz
Numa noite ele deixava!

Já era quase manhã
E ia p’ró seu destino,
quando notou a chorar,
e, de frio, a tiritar,
muito infeliz, um menino.

O anjinho olhou para os sacos
E estava tudo vazio.
Mas como deixá-lo ali
Sem nada, a morrer de frio?

Teve uma ideia feliz:
Foi buscar uma estrelinha,
Desceu e deu-a ao menino
Para aquecer-lhe a casinha.

E ele ficou todo contente!...
Mas disse, preocupado:
-“Olha que no céu talvez
alguém tivesse notado…

-Leva-a daqui mas põe perto,
tão perto que ela me aqueça.
Pois se a pões onde me abrigo
ainda  vão ralhar contigo,
não é coisa que se ofereça…

-Basta que fique baixinha
que eles vêem-na ali;
Aquece toda a casinha
E vou lembrar-me de ti”.

O anjinho concordou
E a seguir desapareceu…
Nunca  mais ninguém o viu
Desde que voltou pró Céu.

Mas a tal estrela brilhante
Que veio dessa ideia sã,
Ainda hoje lá está sozinha
e das outras bem distante:

-É a ESTRELA DA MANHÃ.


Joaquim Sustelo
20.l2.1987
(Ao Rui Pedro e Sónia Raquel, meus filhos, que, à data em que escrevi este poema em conto, tinham respectivamente, 12 e 9 anos. Uma dedicação especial ao Rui, que foi com base numa redacção que fez sobre o tema, que eu depois adaptei para verso. Teve uma classificação muito boa e um elogio da professora e com orgulho veio mostrar-me. Com não menos orgulho, fiz então este poema).

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