"Era uma vez..."   (é  a minha Carochinha)

Abri sua caixinha de costura

Para bordar estrelas no seu véu...

Brilhava em seu olhar tanta doçura

Que eu pendurei no fio de uma linha

As luzes dos seus olhos no meu céu.

Vivíamos de amor como colchetes,

Felizes como agulhas e alfinetes,

Entre os retroses, os dedais e os guizos.

De uma trancinha à-toa de sianinha

Eu dei um laço e fiz uma fitinha

Para enfeitar os seus cabelos lisos.

Com a pontinha aguda da gilete

Desfibrei o algodão do cotonete

E me vesti de calça e paletó.

Depois puxei o fio da cambraia

Para enlaçar no cós da sua saia

Um fofo aventalzinho de filó.

Morávamos num quarto de pensão,

Em cima do balcão da penteadeira,

A meiga bonequinha de avental

E o alegre palhacinho de algodão:

-Dois frágeis bibelôs de prateleira

De frente a um claro espelho de cristal.

E, ao lado, um pote azul de caramelos

Com dégradé de lendas medievais

Onde as princesas têm os seus castelos;

Mas eles são de sonhos,  nada mais!...

Nos folhos de uma toalha de fustão,

Frente uma rosa, um tímido dragão.

Chegou pousando suave na almofada,

A borboleta que virava fada,

Trazendo o doce pólem de uma flor.

Mas ela veio triste: é que de fora

Dessa janela, em que ela entrou agora,

Ainda existe muito desamor.

E por dentro do olhar do espelho claro,

Com meus olhos de pano, eu lhe reparo

Nos macios pezinhos de cetim...

E logo pula um grilo em meu ouvido

Dizendo-me, no idioma do zumbido,

Que eu não mereço ser feliz assim...