Rei D. Pedro I
                        Prefácio
                        Foi no ano de 
                        1360, que os reis de Portugal e Castela (agora Espanha) 
                        fizeram um acordo que iria ter repercussões a nível da 
                        sua popularidade junto aos seus súbditos nos dois 
                        países.
                        Em Portugal 
                        reinava D. Pedro I, e em Castela também o rei tinha o 
                        mesmo nome e eram primos os dois reis, quando resolveram 
                        infringir as promessas feitas e proceder á troca de 
                        criminosos que se tinham refugiado nos seus respectivos 
                        países em fuga á justiça do país vizinho.
                        Dirão certamente 
                        que era justo, e ninguém pode afirmar o contrário, 
                        apenas D. Pedro I de Portugal tinha prometido ao seu pai 
                        D. Afonso IV, falecido há três anos, que não se vingaria 
                        e tinha perdoado aos assassinos de Inês de Castro.
                        Mas a ferida não 
                        se tinha fechado no seu peito, nem tal seria alguma vez 
                        possível, sabemos agora, que nem em vida e nem depois da 
                        morte de ambos.
                        Assim, naquele 
                        dia no seu paço real em Santarém, que desde o tempo de 
                        seu pai, era a capital do reino, esperava impaciente 
                        notícias da embaixada que se tinha deslocado até á 
                        fronteira do país vizinho para proceder á troca dos 
                        fidalgos espanhóis que tinha acolhido e que agora 
                        entregava á justiça de seu primo, em troca dos 
                        responsáveis apontados como os assassinos da mãe de seus 
                        filhinhos, agora órfãos.
                         
                        O paço real 
                        tinha sido edificado junto á porta de Leiria, por onde 
                        se entrava na capital, chegando do norte do país, dos 
                        territórios outrora conquistados por seus avós, e dessa 
                        linda cidade de Coimbra, onde repousava a sua amada 
                        amortalhada, e as lágrimas choradas tingidas de sangue 
                        tinham originado nascentes cujo leito seria para sempre 
                        rubro como o sangue derramado de uma inocente amante.
                        Saudade, essa 
                        palavra que desde esse dia 7 de Janeiro de há cinco 
                        anos, tinha um significado pungente de raiva, amargura e 
                        eterna dor no seu peito, uma solidão, um vazio que nunca 
                        seria preenchido até ao dia do Juízo Final e que para 
                        sempre iria exprimir o sentimento de todo um povo.
                        I Capítulo – A 
                        aia da rainha
                        
                        
 
                        D. Inês de 
                        Castro
                        Tinha sido há 
                        vinte anos atrás, quando a pobre rainha D. Constança 
                        tinha chegado ao reino, em resultado de acordos reais, 
                        destinada a ser a sua esposa e a mãe do príncipe 
                        herdeiro do trono de Portugal, que tinha cruzado pela 
                        primeira vez o seu negro olhar com aquele outro verde e 
                        luminoso que sem temor sustentou o seu.
                        Era o dia do seu 
                        casamento e ao subir as escadarias da Sé Real, ao 
                        encontro da sua noiva que sem vontade iria desposar para 
                        cumprir a vontade do seu severo pai, o Rei D. Afonso IV, 
                        a sua vista foi atraída pela bela aia de sua noiva, de 
                        cabelos louros que lhe caíam graciosamente em cachos 
                        derramados pela altiva cabeça e emolduravam o esbelto 
                        pescoço, que sobressaía de um busto donairoso a que o 
                        corpete de alvo linho modelava em formas expressivas.
                        O seu nome era 
                        Inês de Castro e era filha bastarda de um nobre fidalgo 
                        espanhol e de uma senhora portuguesa com quem o senhor 
                        tinha tido um caso amoroso.
                        Quando a bela 
                        donzela ousou levantar o olhar curioso para olhar o 
                        príncipe português, um luminoso raio esmeralda 
                        desfechado em direcção certeira ao coração compungido de 
                        amores contrariados, do impetuoso príncipe, não passou 
                        despercebido aos fidalgos e curiosos reunidos e logo 
                        vozes sussurradas se ouviram agourando desgraça.
                        Efectivamente de 
                        regresso á corte reunida em Coimbra, a bela cidade 
                        residência real desde os tempos de D. Afonso Henriques, 
                        os murmúrios não se calaram, antes os apaixonados os 
                        alimentaram com os seus comportamentos que mesmo 
                        conhecedores da impossibilidade daquele amor, não faziam 
                        questão de esconder.
                        Vivendo no mesmo 
                        palácio, ocasiões não faltavam para se encontrarem, e os 
                        passeios pelas verdejantes e bucólicas margens do 
                        Mondego, eram constantes, e mesmo sabendo da 
                        impossibilidade daquele amor, pois que além do príncipe 
                        ser casado, eram os dois primos, parentesco que naqueles 
                        tempos impossibilitava uma relação mais íntima, 
                        considerada incestuosa e contrária ás leis da Igreja, em 
                        breve era conhecida de todos no paço e alastrando pelas 
                        vilas e aldeias do reino, que D. Pedro e D. Inês de 
                        Castro, mantinham uma relação de amantes, imoral e 
                        ilícita.
                        II Capítulo – 
                        Finalmente juntos
                        
                        
 
                        Casamento 
                        Secreto
                        Enquanto os dois 
                        apaixonados viviam o seu amor indiferentes a tudo, a 
                        pobre rainha legítima esposa, D. Constança, deu á luz o 
                        seu primeiro filho a quem chamarão D. Fernando, e que 
                        irá herdar o trono.
                        Aconselhada 
                        pelas suas damas, resolveu convidar para madrinha, D. 
                        Inês de Castro, que além de dos factos já explanados, 
                        ficaria assim com mais um laço de parentesco que 
                        naqueles tempos, reforçava a proibição, próxima do 
                        incesto, daqueles laços de amor entre os dois amantes.
                        Ao ouvidos do 
                        velho Rei D. Afonso IV, também já tinham chegado os 
                        rumores daquele amor proibido e a solução encontrada, 
                        foi desterrar a apetecida amante do príncipe para o lado 
                        de lá da fronteira espanhola, no castelo de Albuquerque, 
                        junto á raia alentejana, longe do seu amor, para assim 
                        promover o esquecimento daquele afecto escandaloso.
                        No entanto, 
                        continuaram a trocar correspondência sendo as cartas 
                        transportadas pelos almocreves, os negociantes daqueles 
                        tempos que iam de terra em terra, vendendo azeite e 
                        outros produtos da lavoura e eram os correios secretos, 
                        para o Rei não ter conhecimento que as suas ordens não 
                        eram inteiramente cumpridas.
                        Entretanto a 
                        rainha definhava com falta de amor, e preocupações 
                        crescentes, enquanto o príncipe se ausentava nas suas 
                        caçadas pelos montes e promovia touradas junto ao mar em 
                        Peniche, para matar o vazio sentido pela ausência de 
                        quem amava mais que a si mesmo.
                        Até que ao dar á 
                        luz o seu terceiro filho, no ano de 1354, a pobre rainha 
                        enfraquecida pelos desgostos, morre, deixando livre o 
                        caminho para uma vida em comum aos dois amantes, pelo 
                        que o príncipe sem hesitar, de imediato manda vir a sua 
                        amada para junto de si, enquanto o seu pai, fica na 
                        corte em Lisboa e o seu filho herdeiro é criado fraco e 
                        débil junto aos avós.
                        Primeiro em 
                        Moledo, em seguida noutros locais, depois fixando 
                        residência no paço da Quinta de Santa Clara em Coimbra, 
                        os dois amantes gozam do seu amor intenso e da sua 
                        felicidade descuidada, sem pensarem que o seu amor teria 
                        um preço demasiado alto a pagar em troca de tanta 
                        felicidade e paixão que já é abençoada com a presença 
                        dos seus três filhinhos, D. Afonso, D. Dinis e D. 
                        Beatriz, que nasceram sãos e perfeitos, ao contrário do 
                        débil príncipe herdeiro D. Fernando.
                        III Capítulo – A 
                        sentença fatal
                        
                        
 
                        Julgamento de D. 
                        Inês
                        Assim, vão 
                        vivendo, indiferentes á opinião do rei e dos seus 
                        conselheiros, que vêm em D. Inês de Castro uma ameaça 
                        cada vez maior á independência do reino, devido á 
                        crescente influência da sua família junto a D. Pedro, já 
                        que seus irmãos eram fortes candidatos á coroa do país 
                        vizinho e tentavam influenciar o príncipe a juntar-se a 
                        eles na luta, que se fosse funesta aos seus interesses, 
                        podia arrastar o país para um guerra desastrosa e até 
                        para a perda da sua soberania.
                        Acresce o facto 
                        do príncipe D. Fernando, poder ser mandado assassinar 
                        para dar lugar aos filhos escorreitos e saudáveis de 
                        Inês, como os avisados conselheiros anteviam, com ou sem 
                        razão.
                        Então convencido 
                        pelos seus conselheiros, o velho Rei deixou-se persuadir 
                        que a única culpada de tudo era D. Inês e que a solução 
                        seria eliminá-la pela morte, apagando assim a sua 
                        influência junto ao príncipe.
                        Naquela triste 
                        manhã de 7 de Janeiro de 1355, estando D. Pedro ausente 
                        nas suas caçadas, o Rei D. Afonso IV e Pedro Coelho, 
                        Álvaro Gonçalves e Diogo Lopes Pacheco
dirigiram-se 
                        a Coimbra e sem se deixarem comover pelo súplicas da 
                        pobrezinha que rodeada pelos seus filhinhos, pedia 
                        clemência, se não para ela, pelo menos para não deixar 
                        seus infantes órfãos, executaram a cruel sentença, da 
                        aplicação da qual no entanto, o Rei já hesitava, mas não 
                        teve forças para mudar o curso do destino.
                        Os conselheiros 
                        temendo a fúria de D. Pedro fugiram para Espanha e o 
                        príncipe louco de dor, revoltou-se contra o pai e 
                        acompanhado pelos irmãos de D. Inês, cercou a cidade do 
                        Porto onde este se encontrava, com o seu exército, 
                        jurando vingança contra o seu progenitor.
                        Valeu a 
                        intervenção da sua mãe a rainha, para promover a paz e o 
                        perdão entre os dois, mas apenas na aparência o pobre 
                        príncipe se aquietou, pois que dois anos depois quando 
                        sucedeu a seu pai no trono, por morte deste, logo 
                        começou a congeminar os planos da vingança que tinha 
                        arquitectado em longas noites insones, de lágrimas e 
                        negro desespero que moldaram o seu carácter de jovem 
                        apaixonado e justo, em um rei cruel que aplicava a 
                        justiça aos seus súbditos como se todos fossem culpados 
                        da dor que lhe dilacerava o peito, como consta nas 
                        crónicas daquele tempo e que chegaram aos nossos dias, 
                        para relataram as lutas e vinganças do pobre príncipe 
                        louco e desesperado.
                        IV Capítulo – A 
                        vingança do Rei
                        
                        
 
                        Morte de D. Inês
                        Assim quando no 
                        início do ano de 1361 chegaram finalmente a Santarém, 
                        dois dos assassinos da sua sempre chorada amante, Pedro 
                        Coelho e Álvaro Gonçalves, já que o terceiro avisado por 
                        um mendigo que seria procurado ao voltar a casa na 
                        cidade espanhola onde vivia, fugiu para França 
                        disfarçado de mendigo e assim escapou á sentença de 
                        morte contra si jurada por D. Pedro, El-Rei saiu ao 
                        encontro da comitiva que trazia sob prisão os dois 
                        odiados conselheiros.
                        Consta que um 
                        deles, Pedro Coelho teria sido até seu professor e aio 
                        de criação, pelo que os laços que os uniam eram fortes e 
                        íntimos, o que talvez apenas servisse para refinar mais 
                        a mágoa e o ódio ilimitado do agora Rei D. Pedro.
                        Começou por os 
                        interrogar sobre os motivos da morte de Inês, mas como 
                        nada conseguisse saber, além daquilo que era já por 
                        demais conhecido, sobre as razões patrióticas invocadas, 
                        teria pedido ao seu cozinheiro: 
                        - Trazei-me 
                        azeite, cebola e vinagre que vou comer este coelho!
                        Então ordenou a 
                        sua morte, mas com tal crueldade que a um mandou que lhe 
                        fosse retirado o coração pelas costas e a outro pelo 
                        peito, pois que a pessoas sem coração como eles de nada 
                        lhes servia!
                        Em seguida 
                        mandou o seu cozinheiro preparar e servir-lhe os 
                        corações e levou a dor ao extremo de os trincar num 
                        acesso de raiva e dor sem limites pela perda da sua 
                        amada Inês!
                        Depois mandou 
                        queimar os cadáveres e ainda lançou uma maldição sobre a 
                        terra natal de Pedro Coelho que mandou salgar, para 
                        ficar para sempre estéril!
                        Estes 
                        acontecimentos tiveram lugar em Santarém, no paço real 
                        onde mais tarde sobre as suas ruínas, foi construído um 
                        convento e Igreja que ainda existem e que serviram para 
                        Colégio, ou Seminário de formação de padres, pelo que 
                        hoje se chama a Igreja do Seminário bem como o largo em 
                        frente, e alguns vestígios do antigo paço real ainda se 
                        conservam no seu interior, nomeadamente o postigo em 
                        pedra, da sacada onde recostado D. Pedro teria assistido 
                        ao macabro espectáculo.
                        Epílogo
                        
                        
 
                        Túmulo de D.Inês
                        Seguidamente D. 
                        Pedro apresentou testemunhas de que teria casado 
                        secretamente com D. Inês que assim seria sua esposa 
                        legítima, assim como os seus filhos legalizados por tal 
                        união teriam os mesmos direitos dos outros filhos 
                        nascidos do casamento com D. Constança.
                        Mandou construir 
                        um magnífico túmulo em fina pedra lavrada que foi 
                        colocado no Mosteiro de Alcobaça, mandado erigir pelo 
                        seu antepassado D. Afonso Henriques em cumprimento de 
                        uma promessa sobre a reconquista de Santarém aos mouros, 
                        e ordenou que D. Inês fosse retirada da sua campa, e 
                        coroada rainha e perante toda a corte reunida, obrigou a 
                        que todos lhe prestassem vassalagem beijando-lhe a mão, 
                        e reconhecendo-a legítima rainha de Portugal.
                        Um 
                        impressionante cortejo fúnebre se formou e acompanhou-a 
                        ao longo de vilas e aldeias até ao Mosteiro de Alcobaça, 
                        onde foi finalmente sepultada aquela que depois de morta 
                        foi rainha, como a descreveu Camões nos imortais 
                        Lusíadas.
                        Sete anos mais 
                        tarde, D. Pedro juntou-se á sua amada, quando da sua 
                        morte, tendo sido sepultado no outro túmulo que para si 
                        havia também mandado talhar e que ficou de frente para o 
                        de Inês, para que segundo suas ordens, quando 
                        ressuscitassem no dia do Juízo Final, ao erguerem-se 
                        pudessem de imediato ver-se.
                        Nos dez anos do 
                        seu reinado, D. Pedro não voltou a casar, sofria de 
                        insónias terríveis que tentava colmatar com festas 
                        nocturnas pelas ruas de Lisboa, acompanhado do povo de 
                        quem era querido e amado.
                        Um dos seus 
                        maiores prazeres era fazer aplicar a justiça, fosse quem 
                        fosse o faltoso, de ninguém tinha misericórdia, tal como 
                        não tinham tido com a sua Inês, por isso ficou conhecido 
                        como D. Pedro I, o Justiceiro ou Cru.
                         
                        Arlete Piedade
                        Santarém - 
                        Portugal
                        16/09/2006
                        Para ver esta e 
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                        http://www.mundopoeta.net/fadadasletras/menu_cronicas.asp.htm